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Incorporar

Sabrina Sanfelice

 

Pela marca que nos deixa. A ausência de som que emana das estrelas. Pela falta que nos faz. A nossa própria luz a nos orientar. Doido corpo que se move. (Estrelas, Oswaldo Montenegro)

 

Essa pequena série de fotografias é parte integrante de uma grande coleção de imagens, realizadas a partir do ano 2003 até recentemente, em diferentes cemitérios no Brasil e no mundo. Atualmente, a coleção conta com mais de cinco mil imagens.

Dessa grande coleção de imagens fotográficas e suas potentes possibilidades de montagens e séries, surgiu o ponto de partida para a escolha de meu tema de pesquisa de doutorado, que tem como objetivo investigar as profundas relações de significação quando memória, narrativas, imagem e acontecimentos se reúnem a partir de um lugar de referência – nesse caso, as histórias sobre a morte e suas “habitações”, espécie de berço para vidas anônimas ou personificadas. 

Apesar do tema da pesquisa restringir um espaço (sagrado) específico de investigação – uma composição metodológica biográfica acerca da pequena cidade de Analândia, interior do estado de São Paulo e suas histórias sobre a morte –, permiti-me, para esse contexto inicial de apresentação dessas imagens, referenciar o que movimenta a construção, desconstrução e reconstrução constante do olhar que impulsiona o tema central da pesquisa. 

Dessa amálgama de vida e morte que se entrelaça em latência na constituição das grafias da memória, a síntese de Borges nos acende um candeeiro de lucidez, pois, ao dizer que “A morte é uma vida vivida. A vida é uma morte que chega”, nos coloca frente a frente com a tênue trama que nos reserva as memórias, os esquecimentos, os gritos e os silêncios, as reconstruções e os desejos de ler e ver o mundo e as coisas que nos cercam.

“Incorporar”, nesse primeiro momento, chega como meus próprios pés caminhantes em solo sagrado. Trajetórias. Passo a passo, caminho ouvindo o que ela tem a recontar. Quem conta? Quem quer saber? Quem bate a porta? Abro a tampa da câmera e olho. O que me olha? Conta de novo, por favor. Por que deixaste um sorriso? Pra quem lança essa palavra carcomida? Tem um buraco, uma espécie de vazio contornado. Capturo. Um estilhaço, pedaço de vida, escolhida para ser colocada à prova. Do tempo. Das dúvidas. Do olhar. Um quebra-cabeças que fala, como teclas de um piano. Instrumento imagético. Coloque sua peça e ouça o que acontece quando um mosaico se forma. Agora eu vejo. Você vê? O que você vê? O que você tem a contar?

Palavras-chave: morte; cemitério; fotografia; memória