Daniela Feriani
2020
A impossibilidade de definir o fragmento sem romper com sua fragmentariedade. Delinear traços e características: queda, perda, falta e vulnerabilidade. Etimologia da noção de fragmento: ferida e abertura. Resistir ao entendimento porque não se remete ao todo. Crises da completude e totalidade do sujeito (modernidade). Incompletude como reinante, não há mais padrão de começo, meio e fim (pós-modernidade: o fragmento como desconexão total – preferência pela montagem e colagem).
Relação entre montagem e fragmento, fotografia e poesia: suspensão temporal; vertigem do recorte contra a totalidade; movimento constante; ganhar em intensidade e perder em extensão; responder ao mundo caótico com uma visão múltipla; acaso, descontinuidade, acidente, fragmentação. Fragmento como desvio, campo da metáfora e metamorfose: um método experimental de visão simultânea (montagem). Fissuras. Choques.
Definições fragmentárias de montagem. O poder do ritual do Yagé (Taussig) que se contrapõe ao comunitas de Turner: a ruptura contra a estrutura; a mistura contra a homogeneidade; o modo alegórico em detrimento do simbólico. A montagem como súbitas e infinitas conexões entre dessemelhantes. Brechas. Deslocamentos. Interrupções. Abertura. Súbita mudança de cena que rompe com o ordenamento narrativo. A escrita contra o terror: cenas interiores do ritual que se metamorfoseiam em imagens da memória.
Fazer um experimento. Fazer uma montagem para falar em montagem: um compilado de significados e direções possíveis. Montagem como busca. Montagem como acontecimento, experiência, possibilidade do mundo, pupular de eventos. Montagem por reminiscência, relação, apagamento, profundidade, reencontro (encontrar um possível, descobrir, buscar o que escapa). Montagem por recomposição, por vir. Montagem como heresia (erro, quebra de padrões), ritmo (sucessão de instantes, anacronia), extra-campo, átomos (informação sobre o mundo; pensamento + imaginação). Montagem como profundidade.
Desdobramentos das noções de montagem. Caos. Conexões e desconexões. Uma fotobiografia como montagem: combinar as fotos com as narrativas, as oralidades. Montagem como processo de constituição ou operação combinatória (modificação do que era um álbum fotográfico ou uma narrativa oral). Se a fotobiografia é montagem, o que se pode falar a partir daí?
A montagem na fotografia, no cinema, no ritual, no teatro, na literatura. Eisenstein: a unicidade do cinema é feita pelo fragmento (diferente plano, aquilo que é capaz de ser decomposto em diferentes elementos, como cor, grão, contraste, luminosidade). A montagem como traço através do qual entra em relação com outros.
Atualização do virtual: ajustar imagens para surgir o virtual que elas contêm. A vida da imagem. A imagem pulsa. A imagem arde. A imagem toca o real (Didi-Huberman). Pensar por imagens. Pensar com as mãos (Godard). A relação entre legível e ilegível, pensamento e memória. Ver. Fazer. Pensar. A montagem como tipo de operação que nos leva ao conhecimento.
Como, a partir da montagem, pensar as combinações entre grafias?
A fotografia como falsa fotografia: pedaços de filmes, esculturas, danças – imagens tornadas fotografias. Remontagem. Atravessamentos entre pinturas, fotos e objetos. Atravessamentos da história: questões estéticas e espistemológicas, materiais e conceituais.
Dispositivos de montagem: colagem, álbum, atlas. Ordem processual: seleção, modificação, articulação de partes heterogêneas já existentes – chegar ao conhecimento a partir da relação entre coisas heterogêneas, que implica numa alteração.
Uma constelação de autores: Warburg, Benjamin, Bataille, Didi-Huberman. Uma preocupação epistemológica: como a montagem faz pensar ou ver?
Colagem: arte/técnica que reúne diferentes coisas. Como extrapolar o lugar de uma técnica? A colagem como deslocamento figurativo, aglomerado de imagens para formar uma outra (por acréscimo de fragmentos). Cubismo, dadaísmo, surrealismo: ênfase na colagem como dispositivo de interposições que ativam confrontos, choques, ecos, outras unidades visuais – renovação do significado da imagem. Os espaços entre as imagens começam a ser percebidos. Intervalos. Brechas. Entre.
Montagem como aquilo que excede as partes tomadas individualmente. Seleção e projeção. Ordem e saliência. Conter e transbordar. O ritmo do coração: sístole e diástole.
Toda montagem tem 3 aspectos: vital, aleatório e rítmico – a partir disso, chegamos ao conhecimento; é a montagem que torna possível uma questão inteligível (Didi-Huberman).
Atlas Mnemosyne, de Aby Warburg: constelação, caráter permutável (diferente da colagem); fragmentos associados; combinação de prancha em prancha; renúncia a fixar as imagens. Fotogramas: detalhes são importantes, mas eles não formam um corpo, uma unidade. Atlas: compreender, juntas, as intricações; inventar um protocolo experimental; expor em conjunto, visualmente, as polaridades. A montagem como deslocamento entre as imagens. Armação. Problema visual.
Não se monta um atlas como se monta uma colagem e um álbum: há singularidades, diferentes ritmos, intervalos, passagens, materiais, disposições. O quadro versus a mesa.
Um campo de controvérsias – o que puxar daí? Pode a montagem descrever? A que serve a montagem?
A montagem contra a unidade e a totalidade. Colagem é montagem?
Conexão parcial (Strathern) é a diferença. O que te leva a colocar algo em contiguidade a outro? O que é possível tornar contíguo?
Montagem e colagem: fortemente visuais, imagéticas. Como passar da imagem para a grafia? Como abrir, expandir?
Montagem como exercício de experimentação; nasce de inquietações, da busca de novas possibilidades de conhecimento. Colagem: fundo futurista; técnica muito manual; a importância das texturas, dos materiais. Como ampliar a escala?
Se a gente olhar para o ciborgue, parece que montagem e colagem ignoram a escala.
A noção de quimera, de Severi: uma reunião de partes heterogêneas que formam algo. Formar algo, o que isso significa? Será que podemos falar de unidade a partir da conexão de coisas heterogêneas? Formar algo não significa necessariamente formar uma unidade ou totalidade. Formar algo que não se forma, como no caleidoscópio.
A colagem como manifesto político, o potencial político de uma comunicação “suja”, com marca de cola, do tipo faça você mesmo. Onde está o potencial político da colagem/montagem? Está nessa produção de conhecimento?
Pensar junto com as imagens, para além de pensar onde colocar a imagem no nosso trabalho. Montagem como forma de conhecimento, independente do que fazer com o resultado.
Um desafio: como combinar as narrativas com as imagens?
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