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Desenhar Como Alguém Aprende a Escrever o Prórpio Nome

rnld Nogueira

2024

Reúno essas imagens como um ensaio visual, composto no início de minha pesquisa de
mestrado, realizada junto ao Laboratório de Investigação em Corpo, Comunicação e Arte-LICCA
(UFC/DGP-CNPq) e com orientação do Prof. Dr. Antonio Wellington de Oliveira Junior. Porém,
a autorretratação e a investigação por meio do desenho se inserem em um processo de
pesquisa poética mais abrangente.
Em 2018, percebendo meu desconforto em um exercício de autorretratação, me propus a
desenhar um retrato por dia ao longo de uma semana, como forma de lidar com as sensações
disfóricas e de despersonalização que percebi no primeiro exercício. Ao passo que eu
desenhava meu rosto e, logo em seguida, escrevia sobre o processo do desenho (seus aspectos
formais, mas também afetos e sensações mobilizadas em seu fazer), eu experimentava que
“desenhar não é copiar formas, figuras, não é simplesmente proporção, escala (…). Desenhar é
conhecer, apropriar-se” (Derdyk 1989, p. 24).
Em 2019, essa busca de apropriação sobre minha própria imagem veio pela abordagem do
corpo como um território e a possibilidade de uma cartografia dele. Passei a desenhar partes
específicas do meu corpo, endereçando aos desenhos questões como a objetificação em uma
linha muito tênue com a afirmação de uma sexualidade dissidente. Aquela abordagem
fracionada e detida no corpo, mais do que no rosto, me fazia lidar de outra forma com os
episódios disfóricos, o que me parecia semelhante ao que Fayga Ostrower expõe sobre uma
relação de equivalência entre forma e conteúdo, na qual uma incorpora o outro ao ponto que
“quando se dá outra forma a um conteúdo, modifica-se o conteúdo" (Ostrower 2004, p. 27).
Nesse movimento, em 2022, fiz uma série de desenhos nos quais retrato meu corpo em uma
mesma posição, mas utilizando marcadores diferentes. Ao explorar a multiplicidade de faturas
e sua possibilidade de relação com aquela imagem, se construía para mim a possibilidade de
experimentá-la com nuances de diferentes percepções que, portanto, se distanciavam da
disforia experimentada ao início dos exercícios de autorretratação.
Já em 2024, em um novo momento de produção, retomei esses exercícios como prática de
criação relacionada à pesquisa de mestrado que hoje desenvolvo. Não consegui fazer nenhum
desenho de cunho figurativo, mas percebi como a livre experimentação dos materiais e
elementos formais rendeu um retrato de como me encontrava naquele momento da pesquisa.
As variações de movimento e densidade em formas que me fazem recordar da aproximação
anterior entre corpo e território me indicam como, nesse momento, meu desenho está muito
mais próximo de um caráter de invenção dos modos de dizer esse corpo, enunciá-lo.
Se no início desses exercícios eu acreditava que a questão era sobre não conseguir me ver, ao
sobrepor, fundir ou aproximar esses desenhos percebo como “mais me interessavam as
formas de buscar isso (fazer ver) do que de fato uma imagem final a ser vista” e que “a
segurança (…) que se encontra da invenção, pode ser jeito também de encontrar caminho
consigo e com as formas que nós dizemos e fazemos nós” (Nogueira 2023, p. 104). No

momento atual da pesquisa, tem me instigado pensar como o desenho e a escrita ocupam
lugar nesse processo e como foi experimentando essas formas de expressar minha imagem
pelo desenho que também encontrei outras formas de escrever meu próprio nome,
assumindo que, assim como o desenho, alterar a grafia de um nome também pode ser sobre
apropriar-se dele. Intervir sobre a pessoa nomeada ao passo que se intervém sobre o nome.

 

Palvras Chaves: Autoimagem; Desenho; Invenção de si.

 

Referências

DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho. São Paulo: Scipione, 1989.

OSTROWER, Fayga. Universos da arte. Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2004.

NOGUEIRA, rnld. Como cartografar um corpo ou inventar um nome. In: Jaqueline Coêlho

Santana. (Org.). Leituras negras sobre um defeito de cor. 1ªed.Brasília: Editora IFB, 2023, v. 7,

  1. 89-107.

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