Desde que li “Desenhar com uma câmera? Filme etnográfico e antropologia transformadora” (Grimshaw; Ravetz, 2021), tive a sensação de que uma pulga que morava na ponta da minha orelha encontrou um espaço para pensar. O artigo em questão explora a interseção entre o filme etnográfico e a escrita antropológica sobre o desenho. Embora esse foco seja essencial, percebo que é possível extrapolar algumas reflexões para pensar sobre o meu próprio fazer etnográfico, especialmente sobre os limites entre “fazer” e “tirar”, que se tornaram cada vez mais borrados para mim.
Essa reflexão sobre as fronteiras entre desenho e fotografia tornou-se mais pessoal quando mostrei uma imagem – seja desenho ou fotografia – para uma amiga querida. Ela me questionou: “É um desenho ou uma foto?”. Nesse momento, comecei a explorar se a imagem em questão também gerava esse mesmo questionamento em mim. Eu não queria respondê-la; queria que a imagem habitasse a pergunta. Sem perceber, parecia que eu estava brincando com a imagem, tentando transformá-la em desenho ou em fotografia, como se a linha entre essas práticas estivesse se desfazendo e borrando. Esse processo revelou não apenas a fluidez e as tensões entre diferentes formas de “fazer” e “tirar”, mas também a natureza dinâmica e adaptativa da prática antropológica em um mundo onde as fronteiras parecem cada vez mais borradas, como se o céu estivesse prestes a cair (Kopenawa; Albert, 2015).
A interseção entre desenhos e fotografias, e vice-versa, não indica confusão, mas sim uma forma de experimentar a pesquisa e dar lugar à experimentação (que é também a base do trabalho de campo). Ao explorar esse caminho entre as mídias, comecei a perceber uma dimensão na maneira como compreendemos, apresentamos e representamos, por exemplo, uma cidade-cotidiano. Podemos seguir um caminho de vias que “envolvem o multimodal, a articulação de (bio)grafias em meshworks, fotografias ou desenhos, a própria escrita tornada experimental e outros modos de elaboração/apresentação do conhecimento” (Lotierzo; Hirano, 2023, p. 1).
O entrelaçamento de diferentes formas de criar imagens revela modos de conhecer e interpretar o que consideramos uma realidade etnograficamente apresentável, especialmente quando lidamos com as fronteiras desses métodos de investigação. Esse processo de mistura sugere uma reaproximação com uma dimensão mais ampla e experimental do conhecimento e da prática etnográfica, que desafia e amplia nossas formas de ver e entender o mundo na interseção entre essas formas de criar, fazer, apresentar e representar o mundo/pesquisa (Anzaldúa, 2005).
Palavras-Chave: Etnografia, Experimentação, Imagem.